Alagoas ganha precedente judicial de mudança de gênero de pessoa não-binária

Na última semana, a UNINASSAU – Centro Universitário Maurício de Nassau Maceió, em parceria com o Centro de Acolhimento LGBTQIA+ Ezequias Rocha Rego (CAERR) e o Tribunal de Justiça de Alagoas (TJAL), promoveu um mutirão de mudança de nome e gênero de pessoas trans. Entre os casos, um chamou atenção e abriu um precedente judicial em Alagoas. Fênix da Silva Leite, de 32 anos, se identifica como não-binário e sua vontade era de que no registro de nascimento constasse o gênero como “não definido”.

O Núcleo de Práticas Jurídicas (NPJ) da UNINASSAU acolheu o pedido, respeitando as garantias fundamentais e a dignidade da pessoa humana, segundo explica o advogado coordenador do Núcleo, Vitor Montenegro. “Eu fiz a petição inicial do caso juntamente com as advogadas orientadoras, Mayara Heloise e Nayanne Oliveira, e os alunos do curso de Direito, Karim Henrique, Fabiano Lins, Karine Melo, Lázaro Henrique, Rayssa Ferreira, Samara Nascimento e Emerson Oliveira”, explica.

Vitor contou que a equipe pesquisou jurisprudência e encontrou poucos casos no Brasil, nenhum em Alagoas. “Com muita alegria para todos os envolvidos, o juiz Eric Baracho, que julgou o pedido, concedeu o primeiro caso de uma pessoa não-binária, com gênero não definido, na justiça alagoana”, destaca.

Ele ainda salientou que, no Brasil, existem cerca de cinco casos com essa sentença de procedência. “Me sinto muito honrado de viver esse momento, no qual conseguimos, através do NPJ, um precedente judicial. A dignidade da pessoa humana está acontecendo para além dos livros, mas também na prática, na vida real, que é justamente onde todos os direitos e garantias fundamentais devem ser efetivados pelo Poder Judiciário, pelos advogados e por todos os profissionais do Direito. Todo mundo tem o direito de ser feliz”, diz Montenegro.

O reitor da UNINASSAU Maceió, Avelino Balbino, destaca que a Instituição, por meio do seu NPJ, sempre estará de portas abertas para atender toda e qualquer busca por direitos. “Ficamos muito felizes em contribuir positivamente para a vida dessas pessoas e em saber que nossos alunos de Direito e a nossa equipe do NPJ participaram ativamente deste momento tão importante, não só para os que foram atendidos, mas para todo o estado de Alagoas”, afirma o reitor.

O mutirão de mudança de nome foi uma iniciativa que fez parte do programa Justiça Itinerante, do TJAL, coordenado pela juíza Emanuela Porangaba e por Nildo Correia, presidente do Grupo Gay de Alagoas (GGAL) e do Centro de Acolhimento Ezequias Rocha Rego. “O Poder Judiciário está de portas abertas para participar efetivamente desse processo extremamente necessário. Aproximar cada vez mais a figura do juiz do povo e prestar um serviço célere e eficiente sempre foi o grande objetivo”, afirmou Porangaba.

O que é gênero não-binário?

De acordo com Fênix da Silva Leite, uma pessoa não-binária é alguém que faz parte do grupo de pessoas trans e tem tendência a fluir entre os gêneros ou é uma pessoa de gênero neutro. “Na maioria das vezes, é uma pessoa que não vai se comprometer com um gênero, vai fluir entre eles, o que não quer dizer que seja homem ou mulher”, explica.

“É preciso entender que essas pessoas realmente não se identificam com o gênero masculino e feminino. Porém, a expressão de gênero, que é sobre masculinidade e feminilidade, algo muito intrínseco na construção social, pode ser mais feminina ou mais masculina, pois essas coisas independem”, alerta.

Renascimento

Após o pedido de retificação de gênero ser julgado procedente, Fênix afirma que o sentimento é de ter renascido. “Eu senti que realmente nasci da maneira que deveria ser, sem a imposição de um sistema cisgênero que sempre determinou, ao longo dos meus 32 anos, como eu deveria ser e me comportar”, conta, destacando a importância ter a certidão em mãos. “Com ela, eu passo a existir legalmente e socialmente, não tendo que apresentar dois nomes. Isso é algo que eu estava buscando”.

Para Fênix, a maior angústia era a possibilidade de conseguir alterar o nome, mas ainda assim ter que constar gênero como masculino ou feminino no documento. “Quando surgiu esse mutirão eu disse ‘preciso tentar, vai ser o momento’. Passei minha vida inteira sendo, muitas vezes, o que eu não era, o que eu não queria. Agora que aconteceu, estou vivendo este momento, não estou pensando muito no que vai acontecer em seguida, mas sinto a responsabilidade e quero contribuir para que outras pessoas estejam nesse lugar também”, afirma.

O mutirão foi indispensável para a conquista, de acordo com Fênix. “Iniciativas como essa fazem com que a gente consiga entender os avanços, principalmente de direitos, que é o que move as políticas públicas. É fundamental que hajam essas práticas e que elas estejam ao nosso favor”, fala.

“Por ser uma pessoa negra, não-binária, artista, autônoma, ativista, nordestina, alagoana e maceioense, com toda essa mistura que está dentro e fora do meu corpo, em alguns momentos achei que esse dia não fosse chegar, que não fosse sobreviver a toda essa estrutura. Então, quando o juiz foi favorável, senti que ‘nossa, ainda bem que eu estou vive para experienciar isso’”, comenta Fênix.

Por fim, Fênix da Silva Leite passou uma mensagem de encorajamento e força. “Eu desejo que as pessoas não desistam. Sempre terão dias difíceis, em que parece que a morte está muito mais próxima do que a própria existência, mas não desistam. A gente está nesse mundo. O mundo também é nosso. Então, bora lutar”, finaliza.
por Ascom UNINASSAU

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